* Por Geraldo Felipe de Souto Silva
Os operadores do direito devem se atentar a este tema, uma vez que a exigibilidade do cumprimento coercitivo de promessa de doação irá depender diretamente da situação fática a que estiver vinculada a contratação.
À primeira vista, considerando a natureza de contrato preliminar da promessa de doação, em razão do disposto no artigo 463 do Código Civil, tem-se a impressão de que contidos na promessa todos os requisitos essenciais ao futuro contrato de doação a ser celebrado, a parte poderá exigir a celebração do contrato definitivo.
Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive.
Contudo, nem sempre a promessa de doação regularmente firmada poderá ser futuramente exigida! Isso porque o contrato de doação se reveste de elemento subjetivo, indispensável, caracterizado pelo animus donandi, que é a liberalidade, a vontade de doar, a qual deve perdurar até o momento da formalização do ato.
Assim, regra geral, a promessa de doação não pode ser futura e coercitivamente exigida, pois a coerção é incompatível com o instituto da doação.
A promessa de doação como negócio jurídico
Supremo Tribunal Federal
CONSTITUCIONAL. NOTA PROMISSORIA. PROMESSA DE DOAÇÃO. ATO JURÍDICO PERFEITO. DIREITO ADQUIRIDO. I. - O acórdão não contrariou a norma constitucional do direito adquirido ou do ato jurídico perfeito, dado que, com base nos fatos e na legislação infraconstitucional, decidiu que a nota promissória objeto da demanda não e cambiariamente ou executivamente exigível, porque representava uma promessa de doação, e promessa de doação não se executa, não se exige coercitivamente. II. - R.E. não conhecido (grifou-se) (RE 122054 / RS).
Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE COBRANÇA - PROMESSA DE DOAÇÃO - ATO DE LIBERALIDADE - INEXIGIBILIDADE - PROVIDO O RECURSO DO RÉU - PREJUDICADO O RECURSO DA AUTORA. 1. A análise da natureza jurídica da promessa de doação e de sua exigibilidade não esbarra nos óbices impostos pelas Súmulas 05 e 07 deste Tribunal Superior, pois as consequências jurídicas decorrem da qualificação do ato de vontade que motiva a lide, não dependendo de reexame fático-probatório, ou de cláusulas do contrato. 2. Inviável juridicamente a promessa de doação ante a impossibilidade de se harmonizar a exigibilidade contratual e a espontaneidade, característica do animus donandi. Admitir a promessa de doação equivale a concluir pela possibilidade de uma doação coativa, incompatível, por definição, com um ato de liberalidade. 3. Há se ressaltar que, embora alegue a autora ter o pacto origem em concessões recíprocas envolvendo o patrimônio familiar, nada a respeito foi provado nos autos. Deste modo, o negócio jurídico deve ser tomado como comprometimento à efetivação de futura doação pura. 4. Considerando que a presente demanda deriva de promessa de doação pura e que esta é inexigível judicialmente, revele-se patente a carência do direito de ação, especificamente, em razão da impossibilidade jurídica do pedido. 5. Recurso especial do réu conhecido e provido. Prejudicado o exame do recurso especial da autora (grifou-se) (REsp 730626 / SP).
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios
DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PROMESSA VERBAL DE DOAÇÃO DE MONTANTE RELATIVO À LOCAÇÃO DE VESTIDOS PARA REALIZAÇÃO DE EVENTO SOCIAL. ATO DE LIBERALIDADE NÃO APERFEIÇOADO. DOAÇÃO NÃO CONFIGURADA. 1. O contrato de doação se reveste de elemento subjetivo, indispensável, caracterizado pelo animus donandi. É dizer, a liberalidade, a vontade de doar, a qual deve perdurar até o momento da formalização do ato, sob pena de não ser exigível, pois a coerção é incompatível com o instituto da doação. 2. No caso em apreço, a promessa de doação feita pela ré, consistente no pagamento de vestidos de debutante, não tem o condão de obrigá-la ao seu cumprimento, uma vez que a doação não se aperfeiçoou. 3. Recurso de Apelação cível conhecido e não provido (grifou-se) (Apelação Cível. Acórdão nº 1183089. 8ª Turma Cível).
Por outro lado, o compromisso de prometer doar bens integrantes do patrimônio do casal aos filhos ou de um cônjuge ao outro assumido por qualquer dos cônjuges no processo de separação, não constitui apenas uma liberalidade, mas uma forma de superar o impasse na sua partilha em proveito da paz familiar e social. Por isso, deve ser garantida a sua exigibilidade concreta.
A promessa de doação em transação no processo de divórcio
Superior Tribunal de Justiça
AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIROS. PENHORA SOBRE IMÓVEL. AUSÊNCIA DE REGISTRO DO CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. IRRELEVÂNCIA. SÚMULA 84/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, a promessa de doação de imóvel a filho, decorrente de acordo judicial celebrado por ocasião de divórcio, é válida e possui eficácia de escritura pública. O que afasta, portanto, a configuração de fraude contra credores em razão da falta de registro da sentença homologatória da futura doação, realizada antes do ajuizamento da execução. 2. A questão controvertida foi decidida nos estritos limites do quadro fático delineado pelo acórdão recorrido, sendo rescindível o reexame de provas. 3. Para que haja o prequestionamento é necessário que as instâncias ordinárias examinem a questão controvertida, não sendo imperiosa a menção expressa do artigo debatido. 4. O mero não conhecimento ou improcedência de recurso interno não enseja a automática condenação à multa do art. 1.021, § 4º, do NCPC, devendo ser analisado caso a caso. 5. Agravo interno desprovido (AgInt nos EDcl no REsp 1580631 / SP).
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA. DOAÇÃO DO IMÓVEL. FILHOS BENEFICIADOS. SENTENÇA DE DIVÓRCIO ANTERIOR À EXECUÇÃO. PENHORA POSTERIOR. FRAUDE À EXECUÇÃO. INEXISTÊNCIA. BOA-FÉ. PRESUNÇÃO. SÚMULA Nº 7/STJ. 1. A promessa de doação de imóvel aos filhos comuns decorrente de acordo judicial celebrado por ocasião de divórcio é válida e possui idêntica eficácia da escritura pública. 2. Não há falar em fraude contra credores em virtude da falta de registro da sentença homologatória da futura doação realizada antes do ajuizamento da execução. 3. A penhora pode ser afastada por meio de embargos de terceiros, opostos por possuidores que se presumem de boa-fé. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, não provido (REsp 1634954 / SP).
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios
DIREITO CIVIL. SEPARAÇÃO CONSENSUAL. ACORDO HOMOLOGADOJUDICIALMENTE. PROMESSA DE DOAÇÃO. POSSIBILIDADE. OBRIGAÇÃO POSITIVA. EXIGIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. I - Nos termos do enunciado 549 da VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, a promessa de doação no âmbito da transação constitui obrigação positiva e perde o caráter de liberalidade previsto no art. 538 do Código Civil. II - A vontade de doar, expressamente manifestada em acordo judicialmente homologado, passa do campo da expectativa ou da promessa de doação para um negócio entre os cônjuges, não mais passível de arrependimento e sujeito à execução da obrigação de emitir declaração de vontade. III- Recurso conhecido e não provido. Honorários recursais majorados para 12% do valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 11, do CPC (Apelação Cível. Acórdão nº 1225638. 3ª Turma Cível).
No mesmo sentido das transações judiciais firmadas no divórcio, a promessa de doação em pactos antenupciais de um nubente ao outro não se trata de mera promessa de liberalidade, mas de promessa de um fato futuro que entrou na composição do acordo de partilha dos bens do casal. Portanto, tem sido atribuída eficácia ao compromisso de doação de bens assumido por qualquer dos cônjuges em pacto antenupcial.
A promessa de doação firmada em pacto antenupcial
Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO COMINATÓRIA. OUTORGA DE ESCRITURA DA NUA-PROPRIEDADE DE IMÓVEL OBJETO DE PROMESSA DE DOAÇÃO CELEBRADA MEDIANTE PACTO ANTENUPCIAL. EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO. TRANSAÇÃO POSTERIOR. EFEITOS. SÚMULA 05/STJ. 1. Controvérsia em torno da validade e eficácia de negócio jurídico celebrado entre partes, mediante escritura pública de pacto antenupcial, na qual o réu assumiu o compromisso de doar imóvel à autora, posteriormente substituído por outro bem imóvel (apartamento). 2. As questões submetidas ao Tribunal de origem foram adequadamente apreciadas, não se evidenciado afronta ao art. 535 do CPC/1973. 3. Impossibilidade de revisão das conclusões da Corte local referentes à validade e eficácia da transação efetivada entre as partes por exigir análise de matéria fático-probatória e nova interpretação de cláusulas contratuais. Incidência dos enunciados das Súmulas n.º 05 e 07/STJ. 4. Hipótese dos autos em que a liberalidade não animou o pacto firmado pelas partes, mas sim as vantagens recíprocas e simultâneas que buscaram alcançar a aquiescência de ambos ao matrimônio e ao regime de separação total de bens, estabelecendo o compromisso de doação de um determinado bem à esposa para o acertamento do patrimônio do casal. 5. Aplicação analógica da tese pacificada pela Segunda Seção no sentido da validade e eficácia do compromisso de transferência de bens assumidos pelos cônjuges na separação judicial, pois, nestes casos, não se trataria de mera promessa de liberalidade, mas de promessa de um fato futuro que entrou na composição do acordo de partilha dos bens do casal. (EREsp n.º 125859/RJ, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Segunda Seção, DJ 24/03/2003). 6. Precedentes específicos desta Corte. 7. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO (grifou-se) (REsp 1355007 / SP).
A impossibilidade de registro da promessa de doação no Registro de Imóveis
Em razão do princípio da tipicidade dos direitos reais, segundo a praxe jurídica nacional, somente se considera direito real aquele que estiver expressamente previsto em lei, tais quais os direitos previstos no artigo 1.225 do Código Civil e no artigo 17 da Lei nº 9.514, de 1997. A promessa de doação, de sua vez, tem caráter obrigacional, não gera direito real.
De sua vez, consigne-se que o artigo 167 da Lei nº 6.015, de 1973 elenca um rol taxativo das hipóteses de registros e averbações nas matrículas imobiliárias. Segundo ensinamentos de Afrânio de Carvalho, quando a lei prevê, em disposição especial, os atos compreendidos no registro, quer em enumeração genérica, como no Código Civil, quer em enumeração casuística, como na nova Lei de Registro (art. 167), deixa de fora os clausus (Carvalho, Afrânio de. Registro de Imóveis, Editora Forense, 1976, página 76).
Assim, por não constituir direito real, bem como por não estar presente no rol da Lei de Registros Públicos, a promessa não ingressará no fólio real, seja a título de registro ou de averbação.
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