* Por Geraldo Felipe de Souto Silva
Ensina o advogado, jurista e professor Walter Ceneviva[1] que o vocábulo ata, na linguagem comum, é o relatório escrito de fatos ocorridos e de resoluções adotadas em reunião formal ou informal, para satisfação de objetivos dos interessados.
São exemplos de atas comuns previstas em lei:
i) o Código de Processo Civil (CPC) prevê a lavratura de ata no caso de impedimento do conciliador ou mediador nas sessões e audiências de conciliação e mediação (art. 170, parágrafo único);
(ii) segundo a Lei nº 11.101/2005, as decisões do comitê de credores deverão ser consignadas em livro de atas, rubricado pelo juízo (art. 27, § 1º);
(iii) a Lei nº 6.404/76 explicita que, dos trabalhos e deliberações da assembleia, será lavrada ata assinada pelos membros da mesa e pelos acionistas presentes (art. 130 caput e § 1º);
(iv) de acordo com o Código Civil, no que se refere às sociedades limitadas, o administrador designado em ato separado investir-se-á no cargo mediante termo de posse no livro de atas da administração, bem como dos trabalhos e deliberações será lavrada, no livro de atas da assembleia (art. 1.062, c/c art. 1.067, c/c art. 1.069, inciso II, c/c art. 1.075, § 1º); ainda, segundo o Código Civil, em relação à liquidação das sociedades, deverão ser confeccionadas atas das assembleias (art. 1.112, parágrafo único); determina a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 que as deliberações da comissão julgadora deverão ser subscritas em atas que comporão o procedimento da licitação (art. 38, inciso V).
Então qual a diferença da ata comum prevista em lei e a ata notarial?
A qualidade de notarial da ata lavrada exclusivamente pelos tabeliães de notas possui especial eficácia, pois é dotada de fé pública, fazendo prova plena[2]. Passará a ser notarial a ata quando lançada por tabelião de notas a pedido do interessado.
Nesse contexto, a notarial (ata) consiste em testemunho oficial de fatos narrados pelos notários no exercício de sua competência em razão de seu ofício, por meio de diversos elementos, realizados livremente pelo tabelião, diante de sua perspectiva e sensibilidade[3].
Trata-se, portanto, de instrumento público autorizado pelo notário, o único agente pública que possui competência específica para atribuir fé pública aos documentos que autoriza.
São binômios subjacentes à lavratura da ata notarial a neutralidade e a vinculação absoluta à verdade, pois o delegatário deverá reproduzir fielmente os fatos constatados. Difere-se da escritura pública pois aquela se limita à narração dos fatos que o notário percebe por alguns de seus sentidos[4] e que não possam ser qualificados como atos ou negócios jurídicos.
Em qual lei encontro a previsão da ata notarial?
O instituto da ata notarial possui previsão conceitual prevista legalmente tanto no inciso III do art. 7º da Lei nº 8.935/94, quanto no art. 384 e parágrafo único do CPC. Preceituam, respectivamente, que “Aos tabeliães de notas compete com exclusividade: (...) III - lavrar atas notariais” e “A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião”.
Há, ainda, novidade legislativa relacionada de forma expressa à ata notarial que diz respeito ao disposto no inciso I do art. 216-A da Lei nº 6.015/73, incluído por meio do art. 1.071 do CPC.
Previu a norma a possibilidade de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, devendo, para tanto, ser confeccionada ata notarial por tabelião de notas, a fim de atestar o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias.
Consiste em importantíssima disposição legal por meio da qual o tabelião de notas atestará, formalmente e sob o manto da deontologia notarial, os requisitos basilares que compõem a estrutura da usucapião extrajudicial.
Quais situações práticas em que posso utilizar a ata notarial?
O instrumento jurídico da ata notarial pode ser utilizado em inúmeras situações da vida.
São exemplos de utilização da ata notarial:
(i) Ata Notarial para fins de usucapião extrajudicial – usucapião de bens imóveis em cartório (abaixo comentários a respeito);
(ii) Ata Notarial para comprovar casos de violação de intimidade, injúria, calúnia e/ou difamação em redes sociais ou programas/aplicativos de comunicação (Facebook, Instagram, WhatsApp, Telegran, etc.);
(iii) Ata Notarial de conteúdo de internet;
(iv) Ata Notarial de reuniões e assembleias em geral (condomínios, associações, sindicatos etc.);
(v) Ata Notarial em diligência externa para comprovação de pessoa viva (prova junto a órgãos públicos e previdenciários em geral);
(vi) Ata Notarial em diligências em geral para comprovar fatos diversos;
(vii) Ata Notarial para verificação de estado de bem imóvel (conservação, modo de utilização, abandono, exercício de posse, etc.);
(viii) Ata Notarial para atestar violação de direitos autorais, marcas, patentes e demais direitos de propriedade empresarial e industrial;
(ix) Ata Notarial de e-mails;
(x) Ata Notarial no âmbito do direito de família: comprovação de visitas aos filhos; fazer prova sobre a capacidade de guarda dos filhos por parte dos responsáveis; comprovar fraudes em partilhas de bens; comprovar capacidade financeira; comprovar alienação parental, etc.
Há especificidades na ata notarial de usucapião extrajudicial?
A ata notarial de usucapião extrajudicial em razão de sua peculiaridade especial possui determinadas especificidades.
Segundo dicção legal expressa no art. 216-A da Lei de Registros Públicos, sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião formulado pelo requerente – representado por advogado ou por defensor público –, que será processado diretamente no ofício de registro de imóveis da circunscrição em que estiver localizado o imóvel usucapiendo ou a maior parte dele.
Ressalte-se que o procedimento poderá abranger a propriedade e demais direitos reais passíveis da usucapião.
O requerimento destinado ao oficial de registro de imóveis será assinado por advogado ou defensor público constituído pelo requerente e deverá ser imprescindivelmente instruído com ata notarial lavrada por tabelião de notas.
Tendo em conta que na quase inteireza dos procedimentos de usucapião administrativa haverá a necessidade de que o tabelião compareça pessoalmente ao imóvel usucapiendo para realizar diligências necessárias à lavratura da ata notarial, a referida ata somente poderá ser requerida perante o delegatário da localidade em que estiver localizado o imóvel usucapiendo ou a maior parte dele[5].
O que deve constar na ata notarial de usucapião extrajudicial?
De acordo com os requisitos constantes no Provimento do CNJ nº 65/2017, no conteúdo ata notarial de usucapião extrajudicial, deverá constar (art. 4º, inciso I):
(i) a qualificação, endereço eletrônico, domicílio e residência do requerente e respectivo cônjuge ou companheiro, se houver, e do titular do imóvel lançado na matrícula objeto da usucapião;
(ii) a descrição do imóvel conforme consta na matrícula do registro em caso de bem individualizado ou a descrição da área em caso de não individualização, devendo ainda constar as características do imóvel, tais como a existência de edificação, de benfeitoria ou de qualquer acessão no imóvel usucapiendo;
(iii) o tempo e as características da posse do requerente e de seus antecessores;
(iv) a forma de aquisição da posse do imóvel usucapiendo pela parte requerente;
(v) a modalidade de usucapião pretendida e sua base legal ou constitucional;
(vi) o número de imóveis atingidos pela pretensão aquisitiva e a localização: se estão situados em uma ou em mais circunscrições;
(vii) o valor do imóvel;
(viii) outras informações que o tabelião de notas considere necessárias à instrução do procedimento, tais como depoimentos de testemunhas ou partes confrontantes.
Como exemplo de outras informações necessárias à instrução do procedimento, pode ser citada a forma de utilização do imóvel pelo requerente, com menção expressa quanto à existência ou não de parcelamento do solo para fins urbanos sobre o imóvel; se o imóvel confinante for objeto de matrícula de condomínio pro diviso ou pro indiviso; se o imóvel usucapiendo for unidade autônoma de condomínio edilício regularmente instituído; etc.
Insta registrar que as informações constantes nos demais documentos que devem ser apresentados ao oficial de registro de imóveis podem ser facultativamente incorporadas no corpo da ata notarial, sem prejuízo de sua configuração legal. Assim, a planta e memorial descritivo, a descrição georreferenciada, bem como a certidão dos órgãos municipais e/ou federais que demonstre a natureza urbana ou rural do imóvel usucapiendo podem ser utilizados na própria caracterização e individuação do imóvel.
A depender da situação do imóvel pode ser lavrada mais de uma ata notarial de usucapião extrajudicial?
Sim. Importante destacar que não há limitação de lavratura de apenas uma ata notarial, principalmente devido a complexa natureza do procedimento de usucapião.
Deste modo, pode ser lavrada mais de uma ata notarial, ata notarial complementar ou escrituras declaratórias lavradas pelo mesmo ou por diversos notários, as quais descreverão os fatos conforme sucederem no tempo.
Outrossim, caso o pedido da usucapião extrajudicial abranja mais de um imóvel, ainda que de titularidade diversa, o procedimento poderá ser realizado por meio de única ata notarial, se contíguas as áreas (arts. 7º e § 11º do art. 4º, ambos do Provimento do CNJ nº 65/2017).
Na ata notarial de usucapião extrajudicial podem constar imagens, documentos e sons?
Sim. A teor do supracitado art. 384 do CPC, podem constar da ata notarial imagens, documentos, sons gravados em arquivos eletrônicos, além do depoimento de testemunhas.
Em razão da própria conceituação do instituto da ata notarial, o citado instrumento jurídico não poderá se pautar unicamente em declarações do requerente (§ 2º do art. 5º do Provimento do CNJ nº 65/2017).
Uma vez lavrada a ata notarial de usucapião extrajudicial já sou o novo dono do imóvel?
Não! A ata notarial de usucapião extrajudicial consiste em importante e essencial instrumento para a comprovação da nova propriedade, contudo, por si só, não atesta esse direito.
Em vista dos princípios da autenticidade e da segurança notariais, finalizada a lavratura da ata, o tabelião deve cientificar o requerente e consignar expressamente no ato que a ata notarial não tem valor como confirmação ou estabelecimento de propriedade, servindo apenas para a instrução de requerimento extrajudicial de usucapião para processamento perante o registrador de imóveis (§ 3º do art. 5º do Provimento do CNJ nº 65/2017).
[1] CENEVIVA, Walter. Lei dos Notários e Registradores Comentada. Saraiva: São Paulo, 2014, p. 63.
[2] De acordo com o art. 215 do Código Civil “Art. 215. A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena.”
[3] REZENDE, Afonso Celso Furtado de e CHAVES, Carlos Fernando Brasil. Tabelionato de Notas e o Notário Perfeito, 6ª ed., Millennium Editora: Campinas, SP, 2011, p. 160.
[4] Os humanos possuem cinco sentidos tradicionalmente conhecidos: visão, audição, paladar, olfato e tato.
[5] Segundo dispõe o art. 9º da Lei nº 8.935, de 1994 “O tabelião de notas não poderá praticar atos de seu ofício fora do Município para o qual recebeu delegação.”
Muito boa a explanação professor, gostei muito! Dado que foi descrita a feitura da ata notarial perante o tabelião de notas, caso seja possível, acho pertinente um artigo também de como se dá a tramitação do pedido de usucapião perante o Registro de imóveis, de forma mais detalhada!