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Resolução nº 35 do CNJ: As Novas Regras de Nomeação de Inventariantes Notariais

Por Geraldo Felipe de Souto Silva*


A Resolução nº 35, de 24 de abril de 2007 do Conselho Nacional de Justiça disciplina atualmente a lavratura dos atos notariais relacionados a inventário, partilha e adjudicação por via administrativa. Segundo dispõe o § 1º do art. 610 do vigente Código de Processo Civil, “se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.


Dentre as inovadoras disposições constantes na Resolução CNJ nº 35, de 2007, se encontra a obrigatoriedade de que nos procedimentos extrajudiciais de inventário seja nomeado interessado para representar o espólio com poderes de inventariante.


O inventariante exerce no âmbito judicial e extrajudicial sucessório a função de administrar o espólio, ente despersonalizado formado pelo conjunto de bens advindo da morte de alguém. De acordo com o disposto no art. 1.991 do Código Civil, “desde a assinatura do compromisso até a homologação da partilha, a administração da herança será exercida pelo inventariante”.


O termo inventariante de acordo com os ensinamentos de Itabaiana de Oliveira “nada mais significava senão a pessoa incumbida de inventariar os bens, independentemente da qualidade de cônjuge meeiro ou de herdeiro, qualidade esta essencial no cabeça do casal, propriamente dito” (ITABAIANA DE OLIVEIRA, Arthur Vasco. Tratado de Direito das Sucessões. São Paulo: Max Limonad, 1952. v. III, p. 793).


Desse modo, por meio do encargo pessoal da inventariança, haverá a atribuição de poderes, deveres e responsabilidades para com o Estado-Juiz, Estado-Tabelião, fisco e demais interessados no processamento do inventário, seja no âmbito judicial ou extrajudicial.


A Inventariança


No que diz respeito às funções a serem exercias pelos inventariantes, preceitua o Código de Processo Civil que devem representar ativa e passivamente o espólio, em juízo ou fora dele (art. 75, inciso VII).

Posteriormente, relaciona as atribuições, sempre pertinentes à administração do espólio: i) prestar as primeiras e as últimas declarações; ii) exibir em cartório os documentos relativos ao espólio; iii) juntar certidão do testamento, se houver; iv) trazer à colação os bens recebidos pelo herdeiro ausente, renunciante ou excluído; v) prestar contas de sua gestão; e vii) requerer a declaração de insolvência (v. art. 618 do CPC).

Verifica-se, assim, que inexiste pelo Código de Processo Civil outorga de liberdade de atuação dos inventariantes para atividades que fujam a órbita de administração do espólio, tais quais alienar, hipotecar, transigir, ou praticar outros atos negociais que exorbitem da administração ordinária. Para a prática de tais atividades exige-se autorização do Estado-Juiz, na forma do art. 619 também da codificação processual civil pátria.


A inventariança notarial


No âmbito extrajudicial, a previsão inaugural constante na Resolução CNJ nº 35, de 2007 previa ser “(...) obrigatória a nomeação de interessado, na escritura pública de inventário e partilha, para representar o espólio, com poderes de inventariante, no cumprimento de obrigações ativas ou passivas pendentes, sem necessidade de seguir a ordem prevista no art. 990 do Código de Processo Civil (art. 11)”. A posteriori, a redação da disposição supra foi atualizada com a remição normativa da nova codificação processual civil, fazendo referência à “a ordem prevista no art. 617 do Código de Processo Civil.”


Não obstante a norma indicar que o nomeado represente o espólio com poderes de inventariante, entende-se por acertada a aplicação à espécie do velho brocardo latino ubi eadem ratio ibi eadem dispositio ou em vernáculo onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Assim, a melhor compreensão jurídica conduz a conclusão de que o interessado indicado no rol do art. 617 do CPC e nomeado com poderes de inventariante no âmbito de procedimento extrajudicial de inventário é, em verdade, inventariante.


De qualquer modo, o debate acerca da natureza jurídica do representante do espólio no âmbito dos inventários extrajudiciais findou-se diante do disposto no novel § 1º do art. 11 da Resolução CNJ nº 35, de 2007, incluído pela recente Resolução CNJ nº 452, de 22 de abril de 2022. In verbis: “O meeiro e os herdeiros poderão, em escritura pública anterior à partilha ou à adjudicação, nomear inventariante.”


Assim, o inventariante notarial, uma vez nomeado, representará ativa e passivamente o espólio no deslinde de questões restritas à órbita administrativa.


A nomeação prévia do inventariante notarial


A nova e relevante disposição de que trata o § 1º do art. 11 da Resolução CNJ nº 35, de 2007 além de estabelecer a forma adequada de nomeação dos inventariantes – por meio de escritura pública –, disciplina a possibilidade de que o inventariante seja nomeado em momento anterior à lavratura do inventário.


A nomeação prévia do inventariante por vezes se faz necessária em razão de meeiro e herdeiros, em nome de espólio, necessitarem obter informações e sanar eventuais pendências imprescindíveis à conclusão do inventário nos órgãos fiscais dos entes federativos, instituições financeiras, departamentos de trânsito, registros públicos civis de pessoas jurídicas, juntas comerciais, companhias telefônicas, dentre outros.


A despeito de a nomeação prévia fazer parte da hodierna praxe notarial, a regulação expressa por meio da Resolução CNJ nº 452, de 2022 resguarda e reafirma a segurança e eficácia do referido ato notarial, reforçando os tão caros princípios notariais explicitados no art. 1º da Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994 – publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.


A ampliação das atribuições do inventariante notarial


Consoante disposto no § 2º do art. 11 da Resolução CNJ nº 35, de 2007, do mesmo modo incluído pela Resolução CNJ nº 452, de 2022, ao inventariante caberá a realização de atividades administrativas como a busca de informações bancárias e fiscais necessárias à conclusão de negócios essenciais para a realização do inventário, bem como no levantamento de quantias para pagamento do imposto devido e dos emolumentos do inventário.


Não se verifica condão inovador no tocante à primeira parte do dispositivo em análise, em razão de as atribuições ali discriminadas – “busca de informações bancárias e fiscais” – restarem compreendidas no âmbito da própria administração do espólio. Não obstante a regra preveja apenas duas específicas atividades administrativas a serem realizadas pelos inventariantes notariais, a melhor inteligência conduz à natureza exemplificativa de tal disposição. Nada impede, s.m.j., que informações outras sejam buscadas pelo inventariante perante outros órgãos e entidades da administração pública ou pessoas jurídicas de direito privado diversas das instituições financeiras.


Insta ressaltar que a própria conclusão de negócios em nome do espólio que fujam à alçada administrativa, tais quais a alienação de bens de qualquer espécie; a transação em juízo ou fora dele; o pagamento de dívidas do espólio; bem como o pagamento das despesas necessárias para a conservação e o melhoramento dos bens do espólio, dependerá de autorização do juiz (art. 619 do Código de Processo Civil).


Por outro lado, destaca-se o enorme avanço no sentido da desjudicialização do sistema jurídico pátrio ao se prever a possibilidade de que o inventariante notarial possa levantar quantias em nome do espólio para pagamento do imposto devido e dos emolumentos do inventário. A nova regra facilita sobremaneira a perfectibilização dos inventários, ao possibilitar que recursos do espólio necessários ao processamento sucessório sejam utilizados pelo meeiro e herdeiros sob a tutela do Estado-Tabelião, no âmbito extrajudicial.


A nova regra possui caráter restritivo, não permitindo a interpretação extensiva de seu conteúdo, uma vez que condiciona o levantamento das quantias em nome do espólio para fins únicos de pagamento do imposto e custas devidos com o inventário.


A natureza jurídica da escritura pública de nomeação de inventariante


A escritura pública de nomeação de inventariante na modalidade simples, sem poderes para levantamento de quantias para pagamento do imposto devido, possui como objeto a outorga de poderes de administração em favor do inventariante notarial. Inexiste nessa modalidade de escrituração conteúdo econômico imediatamente apurável.


Destarte, a escritura pública poderá conter como objeto tão somente a nomeação do inventariante, sem a outorga de poderes para levantamento de quantias – poderes que devem sempre ser específicos e expressos no bojo do ato.


Nesse diapasão, a parte interessada ou interveniente, na escrituração de nomeação de inventariante na modalidade simples, estimará valor para efeito de base de cálculo dos emolumentos devidos em razão do Regimento de Custas e Emolumentos do Distrito Federal (art. 59 do Provimento Geral da Corregedoria aplicado aos Serviços Notariais e de Registro – TJDFT).


De sua vez, a Escritura pública de nomeação de inventariante complexa, com poderes para levantamento de quantias para pagamento do imposto devido e dos emolumentos do inventário, possui natureza especial, uma vez que possuirá conteúdo que exorbita à simples outorga de poderes administrativos.


A escrituração pública de nomeação de inventariante complexa envolve a avaliação jurídica de diversos elementos por parte do Notário, tais quais (i) o exame acerca da identificação do(a) meeiro(a) e herdeiro(a)s; (ii) a especificação e avaliação do acervo do espólio, bem como a estruturação da partilha ou adjudicação, para fins de cálculo do tributo devido; (iii) a avaliação fiscal e emissão da guia tributária, sobre a qual o Tabelião responsabilizar-se-á solidariamente; (iv) a substância do ato autorizadora de especial transação financeira. Diante dos específicos elementos componentes do ato, conclui-se tratar de ato com conteúdo econômico imediatamente apurável.


Outrossim, considerando que os valores levantados não comporão o futuro monte mor no âmbito do inventário, a cobrança dos emolumentos na Escritura pública de nomeação de inventariante com poderes para levantamento de quantias deve ter como base de cálculo o próprio valor a ser levantado.


A participação do(a) advogado(a)


Embora a Resolução CNJ nº 452, de 2022 preveja como interessados na lavratura da Escritura pública de nomeação de inventariante apenas “o meeiro e os herdeiros”, a participação de advogado(a) não pode ser afastada na prática do ato.


A assistência das partes por advogado ou defensor público no procedimento extrajudicial de inventário se encontra prevista no § 2º do art. 610 do Código de Processo Civil. Assim, considerando que a nomeação de inventariante é considerada “termo inicial do procedimento de inventário extrajudicial” (§ 3º do art. 11 da Resolução CNJ nº 35, de 2007), ou seja, fase integrante do próprio inventário, a participação do advogado ou defensor público será imprescindível na escrituração da nomeação de inventariante.


Os profissionais do direito, conhecedores das leis e das especificidades jurisprudenciais, conduzirão as partes para que decidam com segurança acerca das tão importantes questões atinentes aos inventários.


A prevenção notarial


De acordo com o disposto no art. 8º da Lei nº 8.935, de 1994, “é livre a escolha do tabelião de notas, qualquer que seja o domicílio das partes ou o lugar de situação dos bens objeto do ato ou negócio.” Dessa forma, a escolha do Tabelionato de Notas em que será processado o inventário extrajudicial é de livre escolha das partes, independentemente do local dos bens de sucessão ou domicílio do(a) meeiro(a) e herdeiro(a)s.


Sem embargo, uma vez instaurado o termo inicial do procedimento de inventário extrajudicial por meio da lavratura da competente Escritura pública de nomeação de inventariante simples ou complexa, haverá a prevenção do Tabelião que praticara o aludido ato. Isso porque o procedimento do inventário extrajudicial deverá respeitar o princípio da unicidade do ato notarial, o qual se iniciará com a nomeação do inventariante (§ 3º do art. 11 da Resolução CNJ nº 35, de 2007) e findar-se-á em momento posterior com a partilha, adjudicação, sobrepartilha ou sobreadjudicação.


Ademais, a prevenção faz-se necessária em razão de competir ao Tabelião de Notas responsável pela escrituração de nomeação de inventariante a fiscalização da escorreita utilização dos recursos levantados. Fiscalização que será realizada no decorrer do processamento do inventário.


Dessa forma, faz-se necessário que no corpo da Escritura pública de nomeação de inventariante com poderes para levantamento de quantias conste de modo expresso e destacado (i) o número da guia de recolhimento, o valor e a data do pagamento do imposto de transmissão; (ii) a especificação dos valores dos emolumentos notariais e registrais vinculados ao procedimento do inventário extrajudicial; (iii) a expressa vinculação do levantamento dos valores para os fins únicos e exclusivos de pagamento dos compromissos fiscais indicados na própria Escritura Pública; (iv) bem como a indicação da prevenção para o processamento do inventário pelo Tabelião responsável pela nomeação.


Nesse diapasão, reafirme-se que eventual levantamento pelo inventariante do numerário de propriedade do espólio, com supedâneo na Escritura pública de nomeação de inventariante, e não utilização dos recursos para pagamento do imposto devido e dos emolumentos do inventário configurará a prática do delito descrito no art. 168, §1º, inciso II do Código Penal.


Na hipótese de o processamento do inventário extrajudicial se der de forma eletrônica, a competência da escolha do Tabelião de Notas deverá observar a disciplina constante no art. 19 do Provimento nº 100, de 26 de maio de 2020, da Corregedoria Nacional de Justiça. Assim, será competente para a prática de quaisquer atos notariais concernentes ao inventário o Tabelião de Notas da circunscrição do imóvel a ser inventariado ou do domicílio do(a) meeiro e herdeiro(a)s beneficiários ou eventuais cessionários. Também na modalidade eletrônica, eventual escrituração de nomeação de inventariante atrairá a competência do Tabelião que praticou o aludido ato para o término do procedimento de inventário extrajudicial.


* Geraldo Felipe de Souto Silva. Tabelião e Oficial de Registros Públicos titular no Distrito Federal. Mestre e especialista em Direito. Vice-presidente do Sindicato dos Notários e Registradores do Distrito Federal - SINOREG. Presidente da Comissão de Direito Notarial e de Registros Públicos do Instituto Brasileiro de Direito de Família no Distrito Federal – IBDFAM-DF. Membro Fundador do Instituto de Direito Urbanístico de Brasília – IDUB. Ex-Procurador da Fazenda Nacional.



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